O papel da mulher artista no cenário da Arte Contemporânea e as suas consequências na moda
- correntesmoda
- 28 de jun. de 2021
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Ao longo da história, a função da mulher na sociedade e na moda tinha sido quase sempre encarada como um papel passivo, submisso, sendo a mulher vista como um adereço, um objeto de companhia. Na arte, era aparente que dificilmente conseguiria passar de musa a artista.
Aristóteles fundamentava diferenças entre o corpo da mulher e do homem e afirmava que o corpo das mulheres é inerentemente mais fraco e, consequentemente, a sua alma também o é, passando por justificações biológicas:
"A palidez e a ausência de vasos sanguíneos [na mulher] é sempre mais visível, e é óbvio o desenvolvimento deficiente do seu corpo comparado com o do homem”
ibidem, 727a 24-25
Além disso, para Aristóteles a mulher é uma espécie de desvio relativamente a um tipo mais perfeito que se concretiza no homem normativo. O homem é a medida da humanidade e a mulher é uma falha, um homem incompleto ou mutilado:
“A fêmea é um macho mutilado”
ibidem, 737a 27-28

Mantua, 1755-60, England.

Corset, 1883, England.
No entanto, a partir do século XX, com o surgimento dos movimentos feministas que contribuíram para a libertação dos padrões patriarcais, baseados em normas de género, a mulher conseguiu adquirir uma voz mais presente na sociedade.
Contrariando o pensamento da fraqueza biológica, as mulheres abraçam a sua feminilidade e exibem o seu corpo. A arte feminista desenvolve-se simultaneamente com o movimento feminista, sendo que até na arte se começa a observar a representação de temas do íntimo da mulher, desde a família, a conceção, a domesticidade, a dor, o sexo, de uma forma evidente, profunda e crua. Desde Frida Khalo, Louise Borgeois, a Judy Chicago, as artistas perdem o medo de tratar tópicos femininos.
Por ordem:
Henry Ford Hospital, 1932, Frida Kahlo.
The Dinner Party, 1974–79, Judy Chicago.
Louise Bourgeois, 1999, Arched Figure.
Também na moda grandes avanços rumo à libertação e empoderamento da mulher tomam lugar, desde a abolição do corpete por Paul Poiret, passando pela normalização do uso das calças pelas mulheres por Coco Chanel, até ao smoking feminino por Yves Saint Laurent.
Por ordem:
Designs de Paul Poiret: Evening coat, 1918; Fancy-dress costume, 1911; Irudrée evening dress,1922
Coco Chanel, 1930.
Le Smoking da coleção Alta-Costura outono/inverno 1999/2000.
A arte contemporânea criada por jovens mulheres artistas apela a algo profundo no corpo, abordando muitas vezes temas do grotesco, sobre o corpo feminino, sobre aquilo que é carnal, produzindo respostas que variam da atração carnal à repulsa, tendo como inspiração prostitutas, femme fatales e bruxas.
Por ordem:
Doreen Garner, A Fifteen Year Old Girl Who Would Never Dance Again; A White Man in Pursuit of the Pedestal, 2017.
Jala Wahid, Born From and Buried in Baba Gurgur (detail), 2018.
Jana Euler, detail of Global warnings (people who are over 100 years old), 2018.
Tala Madani, Sex Ed by God, 2017.
Na área da produção de moda, a fotógrafa Maisie Cousins apresenta close-ups saturados de partes do corpo molhadas, decomposição de carne, entranhas, pétalas de flores, restos de comida e glitter, que criam imagens de leve repulsa que encontram um lugar na estética elegante e brilhante da propaganda em revistas de moda. As fotografias de Cousins estão cheias de insinuações e metáforas, convidando-nos a reinventar e encontrar beleza naquilo que é mais visceral e vendo o corpo feminino como uma forma de sensualidade e poder.


Fotografias de Maisie Cousins.
A moda tem tentado continuar a abordar estas questões, mas, na maior parte das vezes, de forma mais performativa, sem grandes alterações na qualidade de vida das mulheres na contemporaneidade e sem resolver grandes problemas. Estas questões no design de moda atual são tratadas à superfície e passam principalmente pelos estampados com mensagens empoderadoras, que são mais usadas como uma tendência do que como um statement, como, por exemplo, “Girls Just Wanna Have Fun-damental rights”. Assim, também se dá lugar a novas questões como a de se não estaremos a tentar manipular o público, capitalizando com este tipo de questões sociais.
Por ordem:
Dior, Spring/Summer 2017.
Chanel, Spring 2015.
É de acrescentar que, por vezes, pode parecer incoerente a moda abordar as questões feministas, uma vez que é uma das indústrias que mais contribui para questões como o transtorno dismórfico corporal, com sérios debates desde a anorexia até à necessidade de maior inclusão de tamanhos; para questões como a objetificação do corpo da mulher (mesmo que a T-shirt nos possa dizer "My Body My Rules"); para a exploração da mulher trabalhadora através da indústria fast fashion; e até mesmo para a transfobia (como quando o diretor da Victoria's Secret alegou que não faria sentido terem modelos transgénero no seu desfile porque não se encaixavam na "fantasia" pretendida).
Ainda assim, podemos apontar algumas marcas que aos poucos tentam ser agentes da mudança, como a marca Lingua Franca que doa parte dos seus lucros para ativistas e organizações que ajudam o movimento feminista; a organização Phenomenal Woman, que é dirigida exclusivamente por mulheres negras, cujos lucros são doados a diversas causas sociais de apoio às mulheres, como a Planned Parenthood, a Maya Angelou Foundation e a Higher Heights; a Female Collective, com designs criados apenas por mulheres feministas e cuja fundadora é uma mulher ativista e feminista interseccional; a Argent que pretende apresentar o "power suit" perfeito para as mulheres no poder; ou a Sacai que pretende criar roupas para mulheres que se querem sentir empoderadas pelo vestuário, mas que não sentem a necessidade de vestir um "power suit".
No geral, a arte contemporânea apresenta uma vontade de explorar e quebrar os limites da experiência humana feminina para desconstruir e reinventar o corpo, gerando arte que envia sinais viscerais aos nossos sentidos. A moda contemporânea ainda precisa de dar grandes passos no que concerne o design social e o verdadeiro feminismo.
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